O autor Gottfried Brakemeier, neste terceiro capítulo de seu livro Preservando a Unidade do espírito no vínculo da paz, tende a nos alertar que nosso contexto religioso não é uniforme e onde só se observa a presença de um dos grandes “ismos”. Já que aqui presenciamos, segundo ele, em grande escala a presença do Cristianismo, mas, junto a este, nas últimas décadas tem surgido seguidores do Judaísmo, Budismo, Islamismo, entre outras. E então nos perguntamos: Diante desta variedade de religiões, denominações, seitas e movimentos; podemos fazer uma parceria em prol do “anuncio do Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo”?
Como tenho iniciado por este lado, quero trazer as definições que ele faz de cada uma destas categorias:
- Igrejas: É uma instituição, ultrapassando os limites de uma comunidade local e naturalmente a de um movimento fugaz. São constituídas como “associações religiosas”, dando expressão e espaço para a vivência da “comunhão dos santos”, assim como confessamos no Credo Apostólico. Exige-se de “Igrejas” que tenham definida a sua identidade cristã, que tenha certa expressão na sociedade, que possuam estrutura administrativa.
- Seitas: São grupos cristãos à parte das correntes eclesiásticas principais. A partir dos termos originários de seita podemos ter uma noção do que são estas, sendo o primeiro “secare” que significa cortar, separar. Portanto, seitas seriam entidades cortadas do tronco, e por isto, marginais. O outro termo seria do verbo latino “sequi” com o significado de seguir. Assim, seita seria um grupo unido em torno de um mestre, seguindo-lhe os ensinamentos. Seria algo como uma “escola”. Por isso, fica difícil definir quando estamos perante a uma seita, além do mais, que este termo tem recebido a conotação pejorativa.
- Denominação: Este termo surgiu na Inglaterra, mas tornou-se importante de fato nos Estados Unidos para caracterizar os múltiplos grupos protestantes que aí se formaram. Este, a diferença do termo seita, não contém nenhum juízo avaliativo sobre os diversos grupos. Identifica-os tão somente pela sua designação, ou seja “denominação”.
- Novos Movimentos: Estes são movimentos que surgem como expressão da religiosidade contemporânea. Normalmente possuem natureza sincretista, ou então representam uma religiosidade estranha, “importada”, respectivamente re-despertada após longo tempo submersa. Como movimentos, possuem pouca estrutura organizacional. Conquistam simpatizantes entre os membros das igrejas tradicionais e grupos confusos com a modernidade. Ex. A Nova Era.
Diante desta classificação e ainda, incluindo o conceito de religião, Brakemeier diz se irmos em busca de um ecumenismo no Brasil, devemos conhecer os parceiros. Isto é, com quem estamos lidando, pois estes, de modo algum são iguais. Há os mais próximos e os mais distantes. Há aqueles com os quais o ecumenismo e mais fácil e aqueles com os quais é difícil. Por este motivo, o ecumenismo exige noção do mapa religioso circundante (a nossa volta).
Até 1889 o Brasil era um país exclusivamente Católico-Romano, sendo esta a religião estatal. Portanto, as outras formas de religião e de fé cristã estavam interditadas. Mas, com a liberdade religiosa decretada em 1889, muitos imigrantes trazidos pelo Império para colonizar estas terras, puderam exercer livremente sua fé. Pois, todas as nações que aqui aportaram, trouxeram em sua bagagem sua cultura e religião. Aqui podemos falar um pouco do protestantismo no Brasil, que tradicionalmente se distingue entre o:
– protestantismo de imigração (Luteranos, reformados, anglicanos): Foi importado quase como efeito colateral de interesses econômicos e políticos. Sofreu transplante para as terras brasileiras para criar novas raízes. Inicialmente não desenvolveu dinamismo expansivo. Contentava-se com a permissão para o exercício de sua fé.
– protestantismo de missão (metodistas, batistas, presbiterianos): Vieram em ofensiva evangelizadora, tratavam de recrutar adeptos entre a população. É claro que entrou em colisão com a Igreja Católica dominante.
Mas, pergunto: existia alguma religião no continente Americano antes da chegada dos Europeus? Sim! Mas estas foram majoritariamente extintas. Sobraram apenas restos dessas religiões tribais.
Aqui também, já muito cedo, se pode observar a presença de judeus. São fugitivos de perseguições em outros países. E, mesmo que também sofreram discriminação, ao longo da história, estabeleceram uma forte comunidade judaica no Brasil.
O que mais encontramos no Brasil que possa fazer parte em parceiros ecumênicos? Além de toda a gama protestante, ainda se encontra as igrejaspentecostais e neopentecostais. As igrejas pentecostais têm experimentado um verdadeiro milagre de multiplicação no Brasil. Este que se apresenta multifacetado, sim, altamente complexo, estonteante, impossibilitando estatísticas com números exatos. Algumas destas são: Assembléia de Deus, Igreja do Evangelho Quadrangular e a Congregação Cristã do Brasil. Como exemplo de igrejas neopentecostais, cito a Igreja Universal do Reino de Deus.
Brakemeier ainda menciona a existência de igrejas orientas, ortodoxas, as quais ainda mais ajudam a aumentar o exuberante colorido do cristianismo brasileiro, espelhando a extraordinária variedade das expressões cristãs.
Com tudo isto agora em mente, Brakemeier tem a suas perguntas contundentes:
- Diante de todos estes que podem ser parceiros, como manejar a pluralidade?
A globalização cultural e a privatização da fé redundaram numa explosão de religiosidade quase selvagem. O conflito neste aspecto está presente. Pois, por um lado pode produzir o fundamentalismo, ou seja, a intransigência fanática de grupos. Para estes, o diferente cai sob suspeita de demonização. E, por outro lado, tudo pode acabar no relativismo, que já não mais conhece normatividade. Portanto, ai entra a figura do ecumenismo, inconformado com o caos religioso e, todavia, adverso a quaisquer métodos violentos. Na perseguição de suas metas necessita de estratégias e, sobretudo, da análise do respectivo quadro religioso. Por isso, o ecumenismo trabalha em estreita cooperação com a ciência da religião.
Uma outra característica do ecumenismoé que o mesmo não terá a mesma face. Está condicionado à natureza dos parceiros, às suas afinidades, à sua disposição, à respectiva auto-compreensão.
- Como o cristianismo brasileiro pode se relacionar com outras religiões que estão presentes em nosso meio, como por exemplo, com o judaísmo?
Para o ecumenismo, ainda representa um desafio o diálogo ecumênico entre cristãos e judeus. Um dos pontos de partidas, segundo Brakemeier, seria aquilo que “cristãos e judeus têm em comum” e, que significa isto para a sua convivência?
Mas também temos falado da presença de outras religiões e, diante dessas, como se portar? Muçulmanos, budistas, hindus e adeptos de outros credos não cristãos fazem parte “natural” do quadro religioso brasileiro. Com isso, o mercado religioso diversifica a oferta. Dilui o que se tem chamado de “cultura crista”. A tradição cristã se encontra em franco processo de erosão que instala também na religião a lei da competitividade. Portanto, surge a pergunta: o ecumenismo terá chance nessas circunstâncias?
- Aqui estamos lidando de religião para religião. E agora, como lidar com os possíveis parceiros dentro da extraordinária variedade das expressões cristãs que encontramos no Brasil?
Para inicio de conversa, hoje as diferenças entre protestantismo de imigração e protestantismo de missão se confundem. As de missão se tornaram de alguma forma “sedentárias”, e as de imigraçãoreconheceram sua tarefa missionária. Visto que a evangelização do povo brasileiro de modo algum está encerrada, as Igrejas devem se conscientizar da solidariedade e realizarem junto uma missão ecumênica, que evite a rivalidade e venha a somar os recursos que dispõem. E, com as igrejas pentecostais e neopentecostais, sempre surge a pergunta: Quais seriam as formas de comunhão eclesial entre Igrejas tradicionais e pentecostais?
Dificuldades: O maior entrave ecumênico desde sempre tem sido o desconhecimento, normalmente acoplado ao preconceito. Por isso, segundo Brakemeier, merece aplauso a recente iniciativa da reflexão sobre uma “hermenêutica ecumênica”, engajada na superação de equívocos, de identificações errôneas, em suma, no aprofundamento da compreensão mútua das comunidades mútuas.
Em fim, a religiosidade brasileira não facilita o ecumenismo. Ela é sincretista, competitiva, proselitista. Em ampla escala religião se tornou um produto de mercado. É preciso vender para sobreviver. Justamente em tal situação, porém, cabe às Igrejas mostrar que salvação não provêm do mercado, e sim do EVANGELHO. E um dos ingredientes da salvação é a paz. Religião que não se empenha pela paz, perdeu a legitimidade.