O “ficar” na adolescência


Dentre os vários tipos de relacionamento afetivo o ‘ficar’, sem dúvida, é o mais expressivo da cultura adolescente na atualidade. A expressão é bastante utilizada e já ganhou notoriedade. Embora designe um tipo de relacionamento também presente em outras faixas etárias, consagrou-se como um relacionamento próprio dos jovens.
Embora a palavra “ficar” tenha o sentido genérico de parada e permanência, sugerindo uma certa fixação em algum lugar, seu uso pelos adolescentes, ao contrário, designa um relacionamento episódico e ocasional, na maioria das vezes com a duração de apenas algumas horas ao longo de uma noitada de festa e diversão. A prática mais comum envolve beijos, abraços e carinhos. Outra característica importante é que o “ficar” não implica compromissos futuros e é visto como um relacionamento passageiro, fortuito, superficial, sem maiores conseqüências ou envolvimentos profundos.
É um relacionamento bastante popular entre os adolescentes. A maioria o conhece ou já teve alguma experiência. Em pesquisa realizada na cidade de Assis em São Paulo, envolvendo 264 adolescentes – 162 do sexo feminino e 102 do sexo masculino, na faixa etária de 13 a 16 – constatou-se que o “ficar”, seguido bem de perto pelo “namorar” foram, de longe, os mais citados como relacionamentos amorosos conhecidos pelos sujeitos (MARIANO, 2001, p. 72, 74). A pesquisa citou como principais diferenças entre esses relacionamentos a duração e o grau de comprometimento ou implicação. Caracterizou o “ficar” como um relacionamento ou uma aproximação despertada por uma atração ou interesse, normalmente num local de encontro de jovens na noite, que acaba resultando em contato físico (carícias, beijos e, eventualmente, relações sexuais) e que dura enquanto durar aquele encontro.
Embora alguns sujeitos dessa pesquisa tenham se referido ao ficar como um primeiro contato – um primeiro encontro que pode se transformar em namoro – e, apesar de alguns pesquisadores (WEINGARTNER, 1995) considerarem o “ficar” como uma experiência preliminar ou um contato exploratório com vistas a um melhor conhecimento do outro, entendemos que subsiste nesse relacionamento a busca mesmo de um relacionamento instantâneo e provisório, à feição do que solicita a sociedade contemporânea.
Entretanto, um dado chamou bastante a atenção nessa pesquisa. O ficar” não foi citado majoritariamente como o tipo de relacionamento preferido. A preferência maior recaiu sobre o “namoro”. A diferença foi bastante significativa: aproximadamente 26% dos meninos e 9% das meninas declararam preferir o “ficar”, enquanto 41% dos meninos e 72% das meninas declararam preferir o “namoro”.
Isso indica claramente que apesar de o “ficar” ser mais conhecido e lembrado quando se indaga sobre os relacionamentos existentes, não é citado como o relacionamento preferido, aquele que o adolescente imagina como ideal ou que gostaria de viver ao longo da vida. No caso das meninas, essa tendência a não incorporar o “ficar” como um ideal de vida é ainda mais acentuada. O que essa aparente discrepância significa? Ganha força a hipótese de que o “ficar” é um modo de explorar e experimentar sentimentos, parceiros e situações para a realização de escolhas e para a tomada de decisões mais realistas. De fato, é perfeitamente compreensível que os adolescentes se lancem a experiências variadas e breves com o intuito de conhecer melhor o parceiro. Nesse sentido não haveria tanta diferença entre o “ficar” e a paquera, embora essa seja tida como uma primeira aproximação que se inicia com olhares e avança para uma conversa mais reservada e íntima, enquanto o “ficar” envolve algum tipo de contato físico como carícias e beijos, podendo culminar numa relação sexual.
Ainda de acordo com a pesquisa citada, o “ficar” foi definido pelos adolescentes, tanto meninos como meninas, como um primeiro contato que poderia levar a um namoro, reafirmando a tese da busca de um maior conhecimento sobre o parceiro. Porém, foi caracterizado também como um passatempo e uma simples diversão. A “ausência de compromisso” foi, de longe, a característica mais citada.
O ficar não é um modismo ou um fenômeno superficial e isolado, mas conecta-se com outras subjetivações produzidas na sociedade contemporânea. Aliás, tal modalidade pode ser tomada como expressão dos novos paradigmas de relacionamento emergentes nesse tempo. Obedece à mesma lógica que também governa relacionamentos de diferentes espécies e naturezas. A abreviação do tempo e o caráter efêmero e provisório do “ficar” estão presentes em vários outros cenários da contemporaneidade.