ANÁLISE EXEGÉTICA DE 1 PEDRO 3:18
Versículo 18
– Esta preposição conecta a perícope não só ao versículo dezessete, mas à toda secção precedente, os versículos treze a dezessete. Formalmente, o início deste novo trecho é literalmente igual ao trecho 2.21-25, sublinhando assim a identidade entre as duas passagens, bem como seu papel semelhante dentro da carta .[1]
Assim, marca a passagem para um novo assunto na epístola de Pedro, que passa a tratar do Cristo vitorioso, que venceu o sofrimento e a morte. Lenski comenta esta passagem da seguinte forma:
His glorification is the cause () of this our being “blessed”, and since our blessedness still lies in the future to so large an extent (I John 3:2) , this “because” is the garantee or assurance for us.[2]
Da mesma forma, Selwyn destaca esta significativa mudança no texto de I Pedro, chamando atenção para o conforto da vitória de Cristo sobre o sofrimento e morte; vitória estendida aos cristãos que também passavam por tribulações por causa de sua fé.
A new application of the imitatioChrist: we pass from the Christus patiens to the Christus victor. In 2:21 ff. the emphasis was on Christ’s meekness, here it is on His courage and triumph; in both His passion is thought of vicarious… and atoning.[3]
– A paixão de Cristo foi única e suficiente. Sua morte substitutiva só precisou acontecer uma única vez, e teve abrangência sobre todos os pecados de todos os homens. O termo gregoaparece em outras passagens do Novo Testamento com este mesmo sentido, por exemplo[4]em Hebreus 9.26, 28; e 10.10.
De acordo com Scharlemann, também no Antigo Testamento, esta frase era usada freqüentemente nas ofertas pela culpa e pelo pecado, como tipo do sacrifício definitivo de Cristo:
His death was the conclusive and definitive embodiment in history of the principle of transforming suffering and death into glory and victory. There was never a death like this before; there has been none since. It has absolute value. Christ died “on behalf of sins”. This phrase is used regularly for the sin offerings of the Old Testament. Christ was the great Sin Offering, who atoned not only for single transgressions but for all sins. This is an inclusive plural. There is no sin of any kind, committed anywhere at any time, which was not included in His dying for us.[5]
Existem opiniões divergentes quanto à aceitação do verbo
. Selwyn justifica sua opção pordizendo que a repetida ocorrência de partes no contexto pode ter contribuído para a alteração em alguns manuscritos, nos quais o verbo foi substituído . Apesar disso, o sentido não é seriamente afetado, pois indubitavelmente se refere à morte de Cristo.[6]Mueller, por sua vez, demonstra sua preferência pelo verbo “sofreu”, que já aparecera no contexto (2.21), e que tem um impacto maior nos leitores que podem ver reiterada a identificação deles com seu Senhor[7]. Para Scharlemann, esta identificação se dá em um grau maior com o uso de “morreu”. Ele argumenta da seguinte forma:
. Selwyn justifica sua opção pordizendo que a repetida ocorrência de partes no contexto pode ter contribuído para a alteração em alguns manuscritos, nos quais o verbo foi substituído . Apesar disso, o sentido não é seriamente afetado, pois indubitavelmente se refere à morte de Cristo.[6]Mueller, por sua vez, demonstra sua preferência pelo verbo “sofreu”, que já aparecera no contexto (2.21), e que tem um impacto maior nos leitores que podem ver reiterada a identificação deles com seu Senhor[7]. Para Scharlemann, esta identificação se dá em um grau maior com o uso de “morreu”. Ele argumenta da seguinte forma:
The reference to death might also point to the fact that the Christians to whom the Apostle was writing at times met their death as a result of persecution. It must be admitted that there is not much in the rest of the epistle to corroborate this particular point. Yet it is a possibbility, particularly if, as Selwyn suggests, First Peter was written A.D. 62, shortly after the martyrdom of James, the first bishop of Jerusalem.[8]
– O termojá fora usado em 3.12, referindo-se aos cristãos, os que aceitaram por fé o sacrifício vicário de Cristo, descrito nesta sentença. Estes cristãos, justificados pelo sacrifício substitutivo do justo pelos injustos, são colocados em contraste, no mesmo versículo, com “aqueles que praticam males”. Nesta sentença de Pedro, a humanidade, sem exceção, é colocada de um lado e Cristo, sozinho, de outro.
Lenski descreve estes termos como sendo propositadamente judiciais, referindo-se ao veredicto proferido por Deus, sendo preferíveis e mais significativos do que dizer, “um que não tem pecados pelos pecadores”.[9]
– Aqui, Pedro não está fazendo um contraste e separação das duas partes da natureza humana de Cristo, corpo e alma (pensando na imagem de um corpo morto e uma alma desencarnada que é imortal), como era comum no dualismo da cultura helênica e que foi adotada por alguns Pais da Igreja, como Orígenes, Epifânio, e outros;[10]mas está contrastando a morte de Cristo com sua ressurreição.
O “dativo de referência”, de acordo com a sintaxe grega, reforça esta interpretação, uma vez que coloca a oposição entre duas “esferas” de existência , dois modos de existir.[11]Ele foi morto em sua existência terrena, humana, mas foi ressuscitado em sua existência celestial, divina. Aqui, portanto, não se medita na morte de Cristo somente no ponto e vista soteriológico, mas também em relação à sua própria pessoa..[12]Cristo, o Deus-homem, corpo e alma, foi morto na carne,[13]mas foi vivificado no espírito pela ressurreição da vida.
Ever since the incarnation body , soul, spirit (all human) belong to the Logos, are his forever in an indissoluble union. Death did not affect this union, did not sunder this union. The lifeless body was still that of the Logos; the human spirit, which had been torn from it by death, was in heaven. On Easter morning body and spirit were reunited.[14]
Algumas passagens bíblicas paralelas podem esclarecer melhor este ponto. Em Romanos 1.3-4 , carne e espírito descrevem a natureza de Cristo: “segundo a carne, veio da descendência de Davi, e foi designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade, pela ressurreição dos mortos”. Partindo deste versículo, Roehrs e Franzmann comentam esta relação:
In the flesh, in full and suffering humanity, He went to His death and endured the infliction of it upon Himself in all its bitterness. The spirit, which he committed to his Father’s Hands, was kept safely there (Lk 23:46; cf. 2Ti 1;12).[15] não pode ser tomado como sinônimo de “corpo” neste texto, embora isto seja possível em outros textos no Novo Testamento. Scharlemann fala que o significado de “is at times used of a person’s earthly career. St. Paul uses it that way in Phil. 1.24, where he speaks of wanting to remain in this life for the sake of his Christians at Philippi.”[16]
A morte de Cristo foi morte verdadeira, ou seja, a separação de sua alma do corpo, conforme Mateus 27.50; Marcos 15.37; Lucas 23.46; e João 19.30. O próprio Filho de Deus morreu (Atos 3.15).
Sobre isso ainda escreve Seebass: “ Cristo não foi deixado no Hades, a sua carne não viu corrupção, porque aqui ‘carne’, sendo o paralelo de Cristo, representa o homem inteiro. (At 2.31 cf Sl 16.10) … Em Lc 24.39, o Ressurreto faz saber que Ele não é um espírito, por que tem carne e ossos”.[17]
Os verbos estão no passivo, e isto é significativo. Cristo foi morto, isto é teve morte violenta causada por outros. Foi também vivificado, isto é, recebeu nova vida no espírito. Ambos apontam para momentos climáticos da história de Cristo.
Resta ainda a questão da distinção entre vivificação e ressurreição. Este é um ponto importante para a compreensão do texto, pois pode esclarecer pontos como a cronologia da descida de Cristo ao inferno. Alguns eruditos colocam a ressurreição como uma demonstração pública (exhibitio)[18]de que, de fato, houve a vivificação. Em Efésios 2.5-6, Paulo aponta para esta diferença, embora em várias passagens do Novo Testamento isto não seja feito. Sobre esta posição, Scharlemann afirma:
Such a distinction would lead us to believe that we could quite properly, on the basis of the New Testament, separate the vivification and the ressurrection for purposess of chronology and clarification of what happened early on Easter Sunday morning.[19]
[1]MUELLER, E.R., op. cit., p. 203.
[2]LENSKI, R.C.H. The Interpretation of the Epistles of St. Peter, St. John and St. Jude. Minneapolis, Augsburg Publishing House, 1966, p. 155.
[3]SELWYN, E.G. The First Epistle of St. Peter. New York, St. Martin’s Press, 1961, p.195.
[4]MUELLER, E.R., op. cit., p. 204.
[5]SCHARLEMANN, M.H. Toward Tomorrow. Saint Louis, Concordia, 1960, p. 102.
[6]SELWYN, E.G., op. cit., p. 196.
[7]MUELLER, E.R., op. cit., p. 203.
[8]SCHARLEMANN, E.G., op. cit., p. 102.
[9]LENSKI, op. cit., p. 156.
[10]DAVIDS, P.H. The First Epistle of Peter. In: The New International Commentary on the New Testamment. F. F. Bruce, ed. Grand Rapids, William B. Eerdmans, 1990, p. 137.
[11]MUELLER, E.R., op. cit., p. 206.
[12]BARTH, G. A Primeira Epístola de Pedro. São Leopoldo, Sinodal, 1967, p. 90.
[13]SELWYN, E. G., op. cit., p. 197.
[14]LENSKI. op. cit., p. 160.
[15]ROEHRS, Walther R. e FRANZMANN, Martin H.Concordia Self-study Commentary. Saint Louis, Concordia, 1979, p. 263.
[16]SCHARLEMANN, M., op. cit., p. 104.
[17]SEEBASS, H. Carne. In: Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Colin Brown, ed. São Paulo, Vida Nova, 1989, v.1, p. 359.
[18]SCHARLEMAN, M., op. cit., p. 104.
[19]Id. Ibid.