A adolescência


Mais do que outras idades da vida, a adolescência passou a ser reconhecida e representada como um período de forte presença das chamadas “influências sociais” no  funcionamento psicológico e na constituição do sujeito. As figurações sobre o adolescente e a adolescência aludem, freqüentemente, e não é de hoje, a conflitos com o mundo, com os pais e com os adultos. Imagens de rebeldia, inconformismo, idealismo, vanguardismo, mudança, revolução e tantas outras alusivas a confrontos e ao espírito de transformação do mundo estiveram bastante associadas a esse período da vida. Aliás, tais imagens foram exaustivamente utilizadas para a instituição dessa fase da vida como um período singular, diferenciado dos demais e altamente valorizado.
A adolescência, sobretudo no século XX, foi elevada como representante e expressão máxima da juventude, da potência, da beleza, da liberdade, do gozo, do espírito crítico e contestador, do progresso, da disposição para a mudança e de tantos outros atributos que a tornaram uma fase bastante prestigiada e cobiçada. É verdade, também, que essa fase foi vista como momento de vivência das grandes crises (afetivas, emocionais, de identidade, de valores etc.) e sofrimentos. Porém, tais crises foram consideradas positivas e construtivas já que o saldo final sempre representava um ganho e melhoria do sujeito. Aliás, a própria idéia de crise alude a movimento, mudanças, ruptura e desestruturação que, embora possam estar associadas a sofrimentos, trazem como significação básica a potencialização da vida e a dinamização do sujeito e do seu mundo. A chamada “crise da adolescência” sempre foi referida com signos situados em corredores semânticos meliorativos diferentemente de “crises” de outras idades semiotizadas em corredores semânticos pejorativos, como é o caso da aludida “crise do envelhecimento” ou da “aposentadoria”, inevitavelmente associadas a imagens de degradação, desvitalização, enfraquecimento etc..
Tanto a ciência como o senso comum acabaram por eleger a adolescência como a fase das grandes transformações biopsicológicas e sociais responsáveis pelo último grande impulso do processo do desenvolvimento humano e como o período das realizações fundamentais e do “acabamento” final do sujeito, Teorias psicológicas importantes, como a psicanálise e a epistemologia genética, encerram a periodização do desenvolvimento na adolescência, tomada como a fase de coroamento das conquistas, transformações e realizações anteriores. De maneira geral, as teorias psicológicas do desenvolvimento enfatizam a presença das relações sociais do adolescente como elemento disparador dos fenômenos dessa fase.
A adolescência é considerada a fase de passagem de um círculo social restrito e primário – a família – para um universo social muito mais amplo e secundário – o mundo todo. A entrada no “mundo”, a conquista da autonomia, a “independência” volitiva e intelectual, a superação da tutela econômica e jurídica, são alguns dos reconhecimentos da prontidão social do adolescente. O senso comum também reconhece a adolescência como o momento de ingresso no mundo adulto e na sociedade mais ampla.
Tal ingresso no mundo adulto é repleto de rituais que consagram essa transição. O menino é visto como aquele que está se tornando, definitivamente, “homem”: a barba, a sexualidade, a inserção no trabalho, a saída de casa, o serviço militar, são alguns dos tantos signos desses rituais de passagem. A menina, além de passar por imagens similares àquelas que denotam a transformação do menino em “homem”, como o reconhecimento de sua sexualidade ou as saídas mais freqüentes e duradouras de casa para estudar, trabalhar ou para o lazer, vive sua transformação em “mulher” em rituais específicos como a tradicional cerimônia de debutante, na classe média. O senso comum, especialmente nas classes populares, possui uma infinidade de códigos de reconhecimento do adolescente como um quase-adulto, incluindo até mesmo seu reconhecimento como alguém hostil e temido.
São notáveis em todas essas representações da adolescência, pela ciência ou pelo senso comum, referências às mudanças, principalmente no campo social.
Em ambos os casos é marcante a retratação do adolescente como alguém bastante suscetível a influências sociais e participante da vida pública aqui entendida simplesmente como as relações sociais travadas no espaço público, o que inclui todo o espaço da vida noturna, por exemplo.
Essa relação íntima da adolescência com o espaço social talvez expresse mesmo um momento privilegiado para a compreensão das injunções sociais no sujeito. Talvez, mais do que em outras idades, a adolescência expresse as tendências e contradições de um tempo e lugar ou da história, da sociedade e da cultura, devido à sua maior exposição e sensibilidade às questões e idiossincrasias da contemporaneidade. Também é provável que aconteça essa maior exposição ao mundo porque não há uma blindagem no plano micropolítico, como ocorre com a criança, quando os pais conseguem amortecer o impacto dos problemas sociais.
Além disso, o adolescente não possui, como um adulto ou um idoso, um lastro de defesas egóicas capaz de aliviar o impacto na subjetividade de mudanças no cenário socioeconômico e cultural.